Quando vem ao mundo, o “infant”, aquele que ainda não fala, que ainda não é, tem sua existência garantida pela indissociável ligação com um Outro Primordial/Mãe, que ao lhe dar a luz de um olhar pleno e acolhe lo com suas palavras no banho da linguagem, lhe concede a experiência de existir. Transmite assim, a ideia do que ele é, e do que será.
Uma ideia que é concebida nos tempos das vivências edípicas da mulher, ao equacionar uma solução para sua ferida narcísica, no cálculo que resulta no desejo-de-filho. Desejo este, que lhe permite exercer a função materna nas certezas de “uma mãe boa o suficiente”, que na falta em ter, recobre o “infant” com as pérolas de seu tesouro significante: seus saberes e sentidos. Vivencia, assim, a ilusão de plenitude de ser “UMA”, sem faltas com seu bebê. Porém esta plenitude é ilusória, portanto fugaz, pois seu desejo está alhures. E é por assim sê-lo, que esta vivência instaura um tempo mítico e fundador do psiquismo do “infant”, isto quer dizer que, todas as significações posteriores serão possíveis graças a esta marca original.
Assim como versa o poeta:
“Seu desejo não era desejo corporal .
Era desejo de ter ilho,
de sentir ,de saber que tinha filho.
um só filho que fosse,mas um filho.”
Organizada pela função paterna no seu inconsciente, é nas idas e vindas de seus desejos e insuficiências que insiste, numa tentativa de ser suficiente, dá ao filho o seu bem maior, a falta, pois ela não é toda.
“Procurou, procurou pai para seu filho.
Ninguém se interessava por ser pai.
O filho desejado, concebido
longo tempo na mente, e era tão lindo,
nasceu do acaso, o pai era o acaso.”
Por mais que se identifique a imagem e semelhança de seu filho, na tentativa de restaurar sua ferida narcísica, há sempre um resto; resquícios de uma plenitude do que nunca foi, que a lança na busca constante de outras imagens, de outros ter, de outros ser, no desejo de desejo.
“O acaso nem é pai, isso que importa?
O filho, obra materna,
é sua criação, de mais ninguém.
Mas lhe falta um detalhe,
o detalhe do pai.”
É nesta brecha aberta de suas buscas outras, que o “infant” identificado com as marcas deixadas de fazer sua mãe “UMA”, cria seu mundo próprio e agora fazem “DOIS”. Marcado pela falta, se faz um “fala ser’‘ no sem fim da falta em ter, condição humana e humanizante.
“Então ela é mãe e pai de seu garoto,
a quem ,por acaso,
falta um lobo de orelha,a orelha esquerda” *
*MATERNIDADE – Carlos Drummond de Andrade,C Corpo:Novos Poemas .10*ed. Rio de janeiro; record, 1984, 21-22